Muito embora não haja previsão expressa no ordenamento jurídico, adotava-se, há pouco tempo, a retroatividade da norma mais benéfica no âmbito do Direito Administrativo Sancionador (DAS), conforme jurisprudência reiterada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A retroatividade benéfica da legislação do DAS é uma interpretação extensiva do art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal desenvolvida pelos tribunais, por entender que o dispositivo constitucional possui aplicabilidade para além da seara do direito penal e que, portanto, também no processo administrativo sancionador, a lei pode retroagir para beneficiar o réu.
Todavia, em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o Tema de Repercussão Geral nº 1.199 (leading case ARE 843.989), desafiou a visão consolidada pela jurisprudência, ao entender que a lei benéfica no DAS seria irretroativa, não podendo incidir sobre a coisa julgada nem durante a execução da pena.
As teses fixadas pelo STF na ocasião do julgamento promovem uma mudança de paradigma da interpretação do princípio da retroatividade de norma mais benéfica no DAS. Até a decisão do STF no Tema nº 1.199, a exceção do princípio da não retroatividade de norma posterior em benefício do acusado era admitida. O novo paradigma traz a fundamentação de que o art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal, possui aplicabilidade limitada no âmbito do Direito Administrativo Sancionador por ausência de expressa previsão legal. O STF interpretou restritivamente o art. 5º, XL, CF/88, afastando a possibilidade de aplicação do preceito em outros âmbitos do Direito. Entende-se que o constituinte foi expresso ao dizer “lei penal”, não se admitindo a extensão para o Direito Administrativo Sancionador de forma automática e necessária.
Este estudo tem como objetivo investigar o cabimento da aplicação do art. 5º, inc. XL, da Constituição Federal a normas do direito administrativo sancionador. Para isso, argumenta-se que o DAS possui natureza híbrida entre o direito penal e o direito administrativo, considerando que DAS e direito penal são faces distintas mas comuns da pretensão punitiva do Estado. O problema deste ensaio pode ser assim delineado: como aplicar as regras e princípios posteriores benéficos ao réu em normas que possuem proximidade entre direito penal e direito administrativo sancionador? É possível uma hermenêutica extensiva das normas de direito penal para normas de direito administrativo sancionador? Com isso, procura-se contribuir com a evolução dessa compreensão a partir de uma análise da natureza jurídica híbrida da norma do direito administrativo sancionador. Postula-se que a norma pode produzir efeitos jurídicos típicos das ciências penais em determinadas circunstâncias, e, em outras, efeitos típicos do direito administrativo.
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